Depois de alguns dias de angústia e frustração de assuntos amorosos, eu estava esperando o fim de semana chegar pra fazer aquele ritual que quem tem um carro velho sabe: olhar o nível do óleo pra ver se aquele vazamento misterioso não derramou todo o óleo do cárter, verificar o nível de água, para ver se a maldita tampa está vedando e não jogando a água fora pelo ladrão e aquela passada de mão na carroceria e aquele papo com ele.
Entrando nele já me teletransporto para outro mundo, como se tudo o que me fizesse mal, ficasse para fora e ele fosse um filtro, um firewall ( nerd feelings ) que só tivesse regras para deixar passar o que fosse bom para mim, como se ele agradecesse por ter cuidado.
Após isso, dei algumas partidas pra encher a cuba, e dar pressão na bomba de óleo e vualá! ele está vivo!, como esse sentimento é bom, ouvindo cada explosão em cada cilindro, os tuchos enchendo de óleo, barulho do rolamento friccionando o platô, o capô tremendo e o escape urrando a cada acelerada, esse é um momento de conexão, todos os meus medos e aflições são queimadas junto com o combustível, todas as angustias e decepções são tiradas do peito pelo vento que entra pela janela, e acabo de abaixar o freio de mão e saímos pela cidade.
Sim, saímos sem destino, dirigimos na cidade só pelo prazer de dirigir, para manter a chama acesa da cultura automobilística, para apreciar a cidade de um ponto de vista diferente, para me deslocar para o meu mundo que me faz tão bem, para me sentir mais vivo e realizado, nem que seja por algumas horas.
Isso para pessoas normais não faz nenhum sentido, elas veem os carros como simplesmente um monte de lata, plástico, borracha e fios como um mero meio de transporte, que levam elas do ponto A ao ponto B, com conforto.
Não tiro a razão dessas pessoas, elas estão certas, mas para mim e para mais alguns malucos que compartilha a mesma loucura não é bem assim, é mais do que levar até um destino, é muito mais do que um monte de lata, é muito mais do que um mero objeto, é um estilo de vida, é um membro da família, é um objeto que te traz prazer, é um sonho de criança realizado!
Olho para o banco do passageiro, e me veem a mente algumas lembranças boas e sacrifícios que passei para ter alguém, mas não sei por qual motivo ela se afastou, e eu respeitei, pois sempre quis e sempre repeti a ela que o que eu mais queria era a felicidade dela.
E naquele momento veio aquele filme dos cabelos cacheados dela balançando sob o vento que entrava no carro, sobre tudo o que conversamos e todos os meus segredos e os segredos dela, revelados um para o outro, sobre os medos e levantamentos de auto estimas empregados nas mensagens sinceras que eu mandava a ela.
E ai veio aquele aperto no peito, mas com um sentimento de que tudo que aconteceu foi bacana, e nos últimos momentos acabei falhando por causa de estresse do trabalho e entre outros fatores.
Mas uma frase dela ecoou na minha mente dizendo: “Não corra!”, e eu acabei refletindo sobre isso: “Uma coisa que me aliviava era a adrenalina que era acelerar por ai, e acabei parando de fazer isso por causa dela, mas não por medo de me acidentar, mas sim por medo de perder ela” , liguei o Waze, reduzi uma, e pé no porão!
A cada subida de rotação, era como eu gritasse para remover tudo aquilo de ruim e tentar esquecer ela, a cada olhada no retrovisor era para ver o que eu havia passado para tentar estar junto a ela, a cada reduzida nos radares era como se fosse ela me tirando de crises de ansiedades.
A mão soava no volante de couro, os pés cada vez mais firmes no assoalho para tentar segurar o corpo e ao mesmo tempo acelerando , o carro flutuando nas ondulações do asfalto, costurando o transito na marginal como não houvesse amanhã, cada vez mais alucinado pela velocidade!
Esse dia… esse dia foi sensacional!, como se eu passasse por uma purificação da alma, como eu voltasse a ser o que eu era, e não o que eu havia me modificado, voltei a me sentir mais vivo, voltei a me compreender novamente!
E concluo aqui uma afirmação que eu sempre sabia, mas que se concretizou esse dia.
“Pessoas consertam carros, para que os carros consertem eles”
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